A tentação do Homem de se apropriar do que não lhe pertence
não é de hoje. Temos imensos exemplos na história. Nessa ânsia de conquista,
podemos constatar situações em que líderes alucinados e gananciosos investiam
sozinhos contra tudo e contra todos, e outras em que uma maior clarividência
levava-os à divisão dos territórios desejados.
Um destes exemplos foi o Tratado de Tordesilhas, assinado em
7 de junho de 1494, entre Portugal e Espanha, que dividiu as terras
recém-descobertas no Novo Mundo entre os dois reinos. Estabeleceu uma linha
imaginária a 370 léguas, cerca de 1.770 quilómetros, a oeste das Ilhas de Cabo
Verde, determinando que as terras a leste dessa linha pertenciam a Portugal e
as terras a oeste, à Espanha.
O tratado foi resultado da rivalidade entre os dois países
na era dos descobrimentos, que aumentou com a chegada de Cristóvão Colombo à
América em 1492. Foi intermediado pelo Papa Alexandre VI, que inicialmente
estabeleceu a linha de demarcação a 100 léguas de Cabo Verde, mas Portugal
pressionou para movê-la mais para o oeste, permitindo a Portugal garantir o
território que mais tarde seria o Brasil, descoberto por Pedro Álvares Cabral
em 1500.
O tratado não levou em consideração outros povos e potências
europeias, o que gerou conflitos posteriormente. Portugal e Espanha, com a sua
política expansionista, julgavam-se os donos do mundo. Com o tempo, a expansão
portuguesa para o interior do Brasil ultrapassou os limites do tratado, o que
deu origem ao Tratado de Madrid, em 1750, que redefiniu as fronteiras.
Como exemplo de um líder ambicioso e independente,
recordemos Napoleão Bonaparte que se autoproclamou Imperador da França em 2 de
dezembro de 1804, durante uma grandiosa cerimónia na Catedral de Notre Dame, em
Paris. O evento ficou marcado pelo facto de Napoleão ter tomado a coroa das mãos
do Papa Pio VII, colocando-a na sua própria cabeça, simbolizando que o seu poder
não vinha da Igreja, mas sim dele mesmo.
A coroação marcou o início do Primeiro Império Francês
(1804-1814) e consolidou Napoleão como uma das figuras mais poderosas da
Europa. O seu governo trouxe importantes reformas, como o Código Napoleónico,
mas também levou a uma série de guerras contra outras potências europeias.
Napoleão Bonaparte tinha grandiosas ambições expansionistas
e ansiava transformar a França na potência dominante da Europa e do mundo. Os seus
objetivos iam além da simples conquista de territórios. Ele queria criar um
império estável e unificado sob influência francesa, espalhando os ideais da
Revolução Francesa e consolidando o seu próprio poder.
Para além de querer substituir as monarquias absolutistas
por governos aliados à França, Napoleão via o Reino Unido como o seu maior
inimigo, pois os britânicos financiavam alianças contra a França e tinham uma
poderosa marinha. Tentou invadir a Inglaterra, mas foi derrotado na Batalha de
Trafalgar, em 1805.
Após uma aliança inicial, entrou em conflito com a Rússia de
Alexandre I, e decidiu invadi-la em 1812. A Campanha da Rússia foi um desastre.
O exército francês enfrentou resistência feroz, falta de suprimentos e o
inverno rigoroso, que resultaram numa derrota catastrófica.
A expansão no Mediterrâneo e Norte da África, assim como a
tentativa de controlo da América e do Atlântico, acabaram por o conduzir ao
fracasso e à queda do seu domínio. Apesar da sua genialidade militar, Napoleão
não conseguiu manter o controlo sobre as suas conquistas. A sua derrota na
Rússia e o fracasso final em Waterloo, em 1815, marcaram o fim do seu império.
Ele foi exilado e morreu em 1821 na ilha de Santa Helena.
Napoleão tentou construir um império global, mas a sua visão
mostrou-se insustentável diante das rivalidades europeias e das dificuldades
logísticas. Ainda assim, as suas campanhas mudaram a história e a geopolítica
da Europa para sempre.
Recentemente, Donald Trump, anunciou um plano controverso
para a Faixa de Gaza. Ele propôs que os EUA assumam o controlo do território,
com o objetivo de o transformar numa "Riviera do Médio Oriente". O
plano inclui o deslocamento dos palestinianos que atualmente vivem em Gaza para
países vizinhos, como o Egito e a Jordânia, e a reconstrução da área com
investimentos em infraestruturas turísticas e comerciais. Os Estados Unidos
manteriam uma "posição de propriedade de longo prazo" sobre Gaza, não
descartando a possibilidade do uso de tropas americanas para apoiar a
reconstrução do território, caso seja necessário.
Em articulação com Benjamin Netanyahu, Trump propõe que os
territórios ocupados pelos israelitas na Cisjordânia passem a integrar o estado
de Israel, e que os palestinianos que aí habitam, acompanhem os seus
conterrâneos da Faixa de Gaza no deslocamento para os países vizinhos. De notar
que em 1947, a proposta de criação do Estado judaico veiculada pela ONU contemplava
um território de aproximadamente 14.000 km². Atualmente, o Estado de Israel tem
uma área total de cerca de 22.000 km².
Compreendo, ainda que com alguma dificuldade, justificável
pelos quinhentos anos que me separam desse momento, o propósito de Portugal e a
Espanha dividirem o mundo, com o objetivo de dominarem o comércio de produtos
orientais muitos valorizados, e que permitiam assegurar o financiamento da sua
política expansionista e de descoberta.
Entendo que Napoleão quisesse acabar com a realeza europeia,
inspirado pelos ideais da Revolução Francesa, e ambicionasse ser visto como um
homem capaz de mudar a história. Contrariamente a Trump, Napoleão era uma
pessoa culta, com grande interesse por história, literatura, filosofia,
ciências e direito. Admirava figuras como Alexandre, o Grande, Júlio César e
Carlos Magno. Tinha fascínio pelas ideias dos filósofos do Iluminismo, como
Rousseau, Voltaire e Montesquieu. Gostava de obras clássicas e literatura
francesa, que incluíam Homero, Plutarco, Corneille e Racine.
Donald Trump apenas se move por interesses económicos e
populistas. Não lhe interessam temas como literatura, filosofia ou arte. É reconhecido
pela sua habilidade em negócios, comunicação política e o seu estilo de
liderança, embora este possa ser discutível.
Quer dominar o mundo, mas deixando que outros façam o
trabalho sujo. Reveste-se sempre de uma aura de salvador do povo, e defensor
dos direitos dos americanos. Impressiona quem não tem escrúpulos e busca uma
figura paternal forte. Só assim se pode entender, que queira dominar um
território destruído, expulsando a população que sempre o habitou, a troco dos
dividendos que obterá com o seu investimento na reconstrução. Talvez a pouca
cultura que tenho, embora, sem imodéstia, superior à de Trump, não me deixe compreender
que coerência existe entre as deportações dos imigrantes nos EUA e o
deslocamento dos palestinianos da Faixa de Gaza.
Talvez a História o consiga explicar, um dia…
"Não se pode
usurpar impunemente os direitos dos outros."
Voltaire (escritor,
historiador e filósofo francês do Iluminismo)
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