segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

RIVIERA DO MÉDIO ORIENTE

A tentação do Homem de se apropriar do que não lhe pertence não é de hoje. Temos imensos exemplos na história. Nessa ânsia de conquista, podemos constatar situações em que líderes alucinados e gananciosos investiam sozinhos contra tudo e contra todos, e outras em que uma maior clarividência levava-os à divisão dos territórios desejados.  

Um destes exemplos foi o Tratado de Tordesilhas, assinado em 7 de junho de 1494, entre Portugal e Espanha, que dividiu as terras recém-descobertas no Novo Mundo entre os dois reinos. Estabeleceu uma linha imaginária a 370 léguas, cerca de 1.770 quilómetros, a oeste das Ilhas de Cabo Verde, determinando que as terras a leste dessa linha pertenciam a Portugal e as terras a oeste, à Espanha.

O tratado foi resultado da rivalidade entre os dois países na era dos descobrimentos, que aumentou com a chegada de Cristóvão Colombo à América em 1492. Foi intermediado pelo Papa Alexandre VI, que inicialmente estabeleceu a linha de demarcação a 100 léguas de Cabo Verde, mas Portugal pressionou para movê-la mais para o oeste, permitindo a Portugal garantir o território que mais tarde seria o Brasil, descoberto por Pedro Álvares Cabral em 1500.

O tratado não levou em consideração outros povos e potências europeias, o que gerou conflitos posteriormente. Portugal e Espanha, com a sua política expansionista, julgavam-se os donos do mundo. Com o tempo, a expansão portuguesa para o interior do Brasil ultrapassou os limites do tratado, o que deu origem ao Tratado de Madrid, em 1750, que redefiniu as fronteiras.

Como exemplo de um líder ambicioso e independente, recordemos Napoleão Bonaparte que se autoproclamou Imperador da França em 2 de dezembro de 1804, durante uma grandiosa cerimónia na Catedral de Notre Dame, em Paris. O evento ficou marcado pelo facto de Napoleão ter tomado a coroa das mãos do Papa Pio VII, colocando-a na sua própria cabeça, simbolizando que o seu poder não vinha da Igreja, mas sim dele mesmo.

A coroação marcou o início do Primeiro Império Francês (1804-1814) e consolidou Napoleão como uma das figuras mais poderosas da Europa. O seu governo trouxe importantes reformas, como o Código Napoleónico, mas também levou a uma série de guerras contra outras potências europeias.

Napoleão Bonaparte tinha grandiosas ambições expansionistas e ansiava transformar a França na potência dominante da Europa e do mundo. Os seus objetivos iam além da simples conquista de territórios. Ele queria criar um império estável e unificado sob influência francesa, espalhando os ideais da Revolução Francesa e consolidando o seu próprio poder.

Para além de querer substituir as monarquias absolutistas por governos aliados à França, Napoleão via o Reino Unido como o seu maior inimigo, pois os britânicos financiavam alianças contra a França e tinham uma poderosa marinha. Tentou invadir a Inglaterra, mas foi derrotado na Batalha de Trafalgar, em 1805.

Após uma aliança inicial, entrou em conflito com a Rússia de Alexandre I, e decidiu invadi-la em 1812. A Campanha da Rússia foi um desastre. O exército francês enfrentou resistência feroz, falta de suprimentos e o inverno rigoroso, que resultaram numa derrota catastrófica.

A expansão no Mediterrâneo e Norte da África, assim como a tentativa de controlo da América e do Atlântico, acabaram por o conduzir ao fracasso e à queda do seu domínio. Apesar da sua genialidade militar, Napoleão não conseguiu manter o controlo sobre as suas conquistas. A sua derrota na Rússia e o fracasso final em Waterloo, em 1815, marcaram o fim do seu império. Ele foi exilado e morreu em 1821 na ilha de Santa Helena.

Napoleão tentou construir um império global, mas a sua visão mostrou-se insustentável diante das rivalidades europeias e das dificuldades logísticas. Ainda assim, as suas campanhas mudaram a história e a geopolítica da Europa para sempre.

Recentemente, Donald Trump, anunciou um plano controverso para a Faixa de Gaza. Ele propôs que os EUA assumam o controlo do território, com o objetivo de o transformar numa "Riviera do Médio Oriente". O plano inclui o deslocamento dos palestinianos que atualmente vivem em Gaza para países vizinhos, como o Egito e a Jordânia, e a reconstrução da área com investimentos em infraestruturas turísticas e comerciais. Os Estados Unidos manteriam uma "posição de propriedade de longo prazo" sobre Gaza, não descartando a possibilidade do uso de tropas americanas para apoiar a reconstrução do território, caso seja necessário.

Em articulação com Benjamin Netanyahu, Trump propõe que os territórios ocupados pelos israelitas na Cisjordânia passem a integrar o estado de Israel, e que os palestinianos que aí habitam, acompanhem os seus conterrâneos da Faixa de Gaza no deslocamento para os países vizinhos. De notar que em 1947, a proposta de criação do Estado judaico veiculada pela ONU contemplava um território de aproximadamente 14.000 km². Atualmente, o Estado de Israel tem uma área total de cerca de 22.000 km².

Compreendo, ainda que com alguma dificuldade, justificável pelos quinhentos anos que me separam desse momento, o propósito de Portugal e a Espanha dividirem o mundo, com o objetivo de dominarem o comércio de produtos orientais muitos valorizados, e que permitiam assegurar o financiamento da sua política expansionista e de descoberta.

Entendo que Napoleão quisesse acabar com a realeza europeia, inspirado pelos ideais da Revolução Francesa, e ambicionasse ser visto como um homem capaz de mudar a história. Contrariamente a Trump, Napoleão era uma pessoa culta, com grande interesse por história, literatura, filosofia, ciências e direito. Admirava figuras como Alexandre, o Grande, Júlio César e Carlos Magno. Tinha fascínio pelas ideias dos filósofos do Iluminismo, como Rousseau, Voltaire e Montesquieu. Gostava de obras clássicas e literatura francesa, que incluíam Homero, Plutarco, Corneille e Racine. 

Donald Trump apenas se move por interesses económicos e populistas. Não lhe interessam temas como literatura, filosofia ou arte. É reconhecido pela sua habilidade em negócios, comunicação política e o seu estilo de liderança, embora este possa ser discutível.

Quer dominar o mundo, mas deixando que outros façam o trabalho sujo. Reveste-se sempre de uma aura de salvador do povo, e defensor dos direitos dos americanos. Impressiona quem não tem escrúpulos e busca uma figura paternal forte. Só assim se pode entender, que queira dominar um território destruído, expulsando a população que sempre o habitou, a troco dos dividendos que obterá com o seu investimento na reconstrução. Talvez a pouca cultura que tenho, embora, sem imodéstia, superior à de Trump, não me deixe compreender que coerência existe entre as deportações dos imigrantes nos EUA e o deslocamento dos palestinianos da Faixa de Gaza.

Talvez a História o consiga explicar, um dia… 

 

"Não se pode usurpar impunemente os direitos dos outros."

Voltaire (escritor, historiador e filósofo francês do Iluminismo)


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