Coloquei propositadamente a virgula no título desta crónica. Mas, poderia intitulá-la eliminando a virgula. “Chega de vergonha”, ou o mesmo será dizer a vergonha do Chega.
Na passada sexta-feira, 29 de novembro de 2024, o ex-primeiro
ministro de Portugal António Costa, tomou posse de um dos cargos mais
importantes e prestigiados da política europeia – Presidente do Conselho
Europeu. Esperava-se que esta fosse a notícia de maior destaque nos jornais
televisivos da noite, após a inexplicável abertura destes serviços
informativos, dois dias antes, pelo atual primeiro-ministro Luis Montenegro,
que se dirigiu aos portugueses como se estes fossem meninos na instrução
primária. Com efeito, espantosamente, foi o Chega, com o seu grupo de deputados
arruaceiros, que maior destaque teve nas notícias do dia.
As surpresas da política portuguesa sempre ocorrem em
momentos que ofuscam o que, de facto, é relevante. Foi o caso desta
sexta-feira, com o Chega como protagonista. Cometendo aquilo que muitos
consideram como crime, que do ponto de vista legal não sei avaliar, mas que
ética e moralmente considero reprovável e inaceitável, os deputados deste
partido (assim lhe chamam) penduraram faixas nas janelas do parlamento, com
montagens de fotografias de líderes políticos, protestando contra o fim do
corte de 5% nos vencimentos dos titulares de cargos políticos. Isto impediu o
arranque da discussão do orçamento para 2025 no semicírculo da Assembleia,
tendo o presidente necessidade de pedir a intervenção dos bombeiros para a
retirada das faixas pelo exterior.
Não satisfeitos com este espetáculo degradante, os deputados
do Chega levantaram cartazes com a mensagem "Este parlamento perdeu a
vergonha", no momento em que o presidente da Assembleia anunciava a
aprovação do orçamento.
Estes atos do Chega na Assembleia da República, segundo
alguns comentadores, podem ser juridicamente considerados como uma forma de
protesto político, protegido pelo direito à liberdade de expressão e
manifestação. Porém, outros defendem que se trata de atos classificados como
desordem e perturbação da ordem pública, de acordo com as regras e regulamentos
internos da Assembleia da República. Embora não tenha dúvidas de que o
Ministério Público irá investigar esta situação, temo que possa não existir
forma de legalmente condenar estes comportamentos, por não se encontrarem
previstos nos regulamentos que gerem a atuação dos deputados.
A ausência de regulamentação para estas ocorrências, resulta
da existência de um pensamento democrático que parte do princípio de que seria
impensável que este tipo de atos acontecessem. Efetivamente, não podemos
criticar o legislador, que se materializa na própria Assembleia da República,
constituída por deputados eleitos pelo povo. Lamentável é que uma parcela deste
povo, os eleitores do Chega, atentem, de forma involuntária e inconsciente,
contra um estado democrático com meio século de existência, ao elegerem estes
vândalos engravatados para os representarem no nosso parlamento.
Sem desmerecer da importância do julgamento e respetiva
punição no âmbito jurídico, deste comportamento degradante e inaceitável, numa
democracia com cinquenta anos de existência, que no início desta mesma semana
recordava os acontecimentos do dia 25 de novembro de 1975, preocupa-me a falta
de dignidade presente neste grupo parlamentar, com principal relevância e
evidência no seu líder, André Ventura.
Que me perdoem os seus pais, pois a realidade neste caso é
dolorosa, mas eu teria vergonha deste filho, mesmo que a sua conceção tivesse
resultado de um acidente. Falo sem “papas na língua”, dado que sou pai de um
único filho, mais velho um ano que este individuo. Apesar de todos os meus
esforços, sem sucesso, tenho procurado sensibilizá-lo para que cumpra um dos
seus deveres cívicos, o direito de voto, ao qual sempre renunciou, por não
confiar na nossa classe política.
Creio que o recente sucesso eleitoral do Chega se consubstancia
na mesma génese, mas resultante de um comportamento contrário ao do meu filho
que, um pouco irresponsavelmente, vira as costas ao mundo e deixa andar. Tal
como noutros países europeus, em que o crescimento de movimentos políticos
ligados à extrema-direita é uma realidade, este partido encontrou um espaço no
cenário político português em que a promessa vale mais do que a ação. Assim,
André Ventura tem conquistado uma turma eleitoral de insatisfeitos, desiludidos
e preguiçosos que acreditam que com insolência e voz grossa se resolve tudo.
Pena é que desconheçam, ou se tenham esquecido, do que António
Oliveira Salazar dizia sobre a educação. Sem dúvida que é uma arma muito
perigosa, quando pretendemos dominar um povo através da opressão e da
ignorância. Contudo, é essencial para o desenvolvimento de uma sociedade justa
e solidária, algo que não passa pelos ideais do líder do Chega.
Termino, dizendo ao André Ventura, como se fosse meu filho
(salvo seja): “Vê se és mais educado, e ganhas vergonha na cara!”
"A vergonha é a
cicatriz que a moralidade deixa na alma."
Friedrich Nietzsche (filósofo,
poeta e compositor prussiano)
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