Vivemos uma época em que somos surpreendidos todos os dias.
Atrevo-me a falar na primeira pessoa do plural, porque julgo não ser o único a
viver esta experiência.
Não me refiro aos avanços tecnológicos que evoluem a um
ritmo alucinante, impulsionados pelo desenvolvimento da Inteligência
Artificial, que urge regular para salvaguarda da humanidade, nem à propaganda,
pois informação praticamente não existe, sobre as guerras absurdas que grassam
pelo mundo.
Basta-me olhar para o que se passa no meu país diariamente,
aonde vivemos em democracia há cinquenta anos, embora muitos portugueses não
saibam o que isso é. Mas a surpresa começa, não por esse desconhecimento poder
estar presente nalguns cidadãos comuns, mas por se encontrar em indivíduos
eleitos democraticamente, para representar o povo.
Recordemos que a democracia é um sistema de governo onde o
poder reside no povo. Essa forma de governação permite que os cidadãos
participem diretamente, ou por meio de representantes eleitos, na tomada de
decisões políticas. É o que acontece com a composição da nossa Assembleia da
República, materializada por duzentos e trinta deputados eleitos pelo povo,
através de um sistema eleitoral chamado representação proporcional.
O que se espera destes representantes é que, com educação e
civismo, defendam as suas ideias, debatendo-as no parlamento visando um único
objetivo, que passa por encontrar as melhores soluções governativas para o
desenvolvimento e bem-estar das populações que representam.
Ora o ataque pessoal entre deputados, é algo que em nada
contribui para o objetivo que se comprometeram a realizar, e para o qual são
pagos. O parlamento não é uma arena, em que pessoas de diferentes partidos
políticos se digladiam, como se competissem numa prova de alto nível, para
saírem vitoriosos. Esta assembleia deve ser um espaço de debate ordeiro e
construtivo, do qual resultem estratégias cooperativas que garantam soluções
que sirvam o interesse popular e da Nação.
Ora o que assistimos esta semana, no hemiciclo da nossa casa
da democracia, é degradante, e demonstra o grave erro coletivo cometido por
alguns portugueses, ao elegerem deputados do Chega para os representarem.
Como é possível que interpelem a deputada do Partido
Socialista, Ana Sofia Antunes, que é invisual congénita, após a intervenção que
realizou num debate parlamentar sobre crianças com necessidades educativas
especiais, alegando que ela apenas intervém em assuntos que infelizmente
envolvem a deficiência.
Mas, a infelicidade congénita das intervenções dos deputados
do Chega não ficou por aqui. Confundindo, e não sabendo distinguir, como já o
comprovaram em muitas ocasiões, o que é liberdade de expressão e o que é
insulto, brindaram a deputada socialista com caricias linguísticas, tais como “pareces
uma morta”, “aberração” e “drogada”.
Ironicamente, parece-me que o único deputado do Chega que
tem razão é o André Ventura. Compreendo que o processo de recrutamento de
militantes para o partido, donde saíram os deputados eleitos, não tenha sido
fácil. Com tantos anos de democracia, o obscurantismo que está presente nestes
indivíduos deve ser uma característica rara de encontrar.
Nesta seleção de ilustres desconhecidos do líder do partido,
para integrarem as listas de candidatos eleitorais, seria difícil colocar
questões pertinentes, em que as respostas facilmente se antecipariam, mesmo que
fossem mentira, tais como:
- Tu és
educado, empático e perspicaz?
- Tu alguma vez
roubaste, ou pensas vir a roubar, sobretudo malas em aeroportos?
- Tu alguma vez
praticaste atos pedófilos, ou achas que podes vir a praticar, ainda que os
menores possam parecer ter mais de dezoito anos?
- Tu costumas
emborrachar-te, ou pensas vir a fazê-lo, em tainadas com amigos e depois
conduzir com uma taxa de alcoolemia cinco vezes superior à que é permitida por
lei?
Sim, compreendo que estas perguntas não se fazem, pois já
sabemos as respostas. Fiz muitas entrevistas de seleção de pessoal ao longo da
minha vida profissional, e tinha um rol de perguntas proibidas que só consumiam
tempo e não forneciam qualquer informação relevante.
Por isso dou razão ao André Ventura, e compreendo a caixa de
pandora que abriu.
A democracia tem destas coisas. Não se pode proibir o que
não é proibido até passar a sê-lo. Precisamos de rever o nosso plano nacional
de leitura, e instituir um exame obrigatório de admissão a deputado, ou
qualquer outro cargo político, baseado no livro de José Saramago, "Ensaio
sobre a Lucidez".
"A democracia é
o governo do povo, pelo povo e para o povo."
Abraham Lincoln (16º
presidente dos Estados Unidos)
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