quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

A DEMOCRACIA TEM DESTAS COISAS

Vivemos uma época em que somos surpreendidos todos os dias. Atrevo-me a falar na primeira pessoa do plural, porque julgo não ser o único a viver esta experiência.

Não me refiro aos avanços tecnológicos que evoluem a um ritmo alucinante, impulsionados pelo desenvolvimento da Inteligência Artificial, que urge regular para salvaguarda da humanidade, nem à propaganda, pois informação praticamente não existe, sobre as guerras absurdas que grassam pelo mundo.

Basta-me olhar para o que se passa no meu país diariamente, aonde vivemos em democracia há cinquenta anos, embora muitos portugueses não saibam o que isso é. Mas a surpresa começa, não por esse desconhecimento poder estar presente nalguns cidadãos comuns, mas por se encontrar em indivíduos eleitos democraticamente, para representar o povo.

Recordemos que a democracia é um sistema de governo onde o poder reside no povo. Essa forma de governação permite que os cidadãos participem diretamente, ou por meio de representantes eleitos, na tomada de decisões políticas. É o que acontece com a composição da nossa Assembleia da República, materializada por duzentos e trinta deputados eleitos pelo povo, através de um sistema eleitoral chamado representação proporcional.

O que se espera destes representantes é que, com educação e civismo, defendam as suas ideias, debatendo-as no parlamento visando um único objetivo, que passa por encontrar as melhores soluções governativas para o desenvolvimento e bem-estar das populações que representam.

Ora o ataque pessoal entre deputados, é algo que em nada contribui para o objetivo que se comprometeram a realizar, e para o qual são pagos. O parlamento não é uma arena, em que pessoas de diferentes partidos políticos se digladiam, como se competissem numa prova de alto nível, para saírem vitoriosos. Esta assembleia deve ser um espaço de debate ordeiro e construtivo, do qual resultem estratégias cooperativas que garantam soluções que sirvam o interesse popular e da Nação.

Ora o que assistimos esta semana, no hemiciclo da nossa casa da democracia, é degradante, e demonstra o grave erro coletivo cometido por alguns portugueses, ao elegerem deputados do Chega para os representarem.

Como é possível que interpelem a deputada do Partido Socialista, Ana Sofia Antunes, que é invisual congénita, após a intervenção que realizou num debate parlamentar sobre crianças com necessidades educativas especiais, alegando que ela apenas intervém em assuntos que infelizmente envolvem a deficiência.

Mas, a infelicidade congénita das intervenções dos deputados do Chega não ficou por aqui. Confundindo, e não sabendo distinguir, como já o comprovaram em muitas ocasiões, o que é liberdade de expressão e o que é insulto, brindaram a deputada socialista com caricias linguísticas, tais como “pareces uma morta”, “aberração” e “drogada”.

Ironicamente, parece-me que o único deputado do Chega que tem razão é o André Ventura. Compreendo que o processo de recrutamento de militantes para o partido, donde saíram os deputados eleitos, não tenha sido fácil. Com tantos anos de democracia, o obscurantismo que está presente nestes indivíduos deve ser uma característica rara de encontrar.

Nesta seleção de ilustres desconhecidos do líder do partido, para integrarem as listas de candidatos eleitorais, seria difícil colocar questões pertinentes, em que as respostas facilmente se antecipariam, mesmo que fossem mentira, tais como:

- Tu és educado, empático e perspicaz?

- Tu alguma vez roubaste, ou pensas vir a roubar, sobretudo malas em aeroportos?

- Tu alguma vez praticaste atos pedófilos, ou achas que podes vir a praticar, ainda que os menores possam parecer ter mais de dezoito anos?

- Tu costumas emborrachar-te, ou pensas vir a fazê-lo, em tainadas com amigos e depois conduzir com uma taxa de alcoolemia cinco vezes superior à que é permitida por lei?

Sim, compreendo que estas perguntas não se fazem, pois já sabemos as respostas. Fiz muitas entrevistas de seleção de pessoal ao longo da minha vida profissional, e tinha um rol de perguntas proibidas que só consumiam tempo e não forneciam qualquer informação relevante.

Por isso dou razão ao André Ventura, e compreendo a caixa de pandora que abriu.

A democracia tem destas coisas. Não se pode proibir o que não é proibido até passar a sê-lo. Precisamos de rever o nosso plano nacional de leitura, e instituir um exame obrigatório de admissão a deputado, ou qualquer outro cargo político, baseado no livro de José Saramago, "Ensaio sobre a Lucidez".

 

"A democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo."

Abraham Lincoln (16º presidente dos Estados Unidos)


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