O provérbio que dá título a esta crónica, carrega uma mensagem importante sobre sabermos estar apenas em campos em que temos conhecimento e habilidade. Ele critica a tentativa de alguém atuar fora da sua área de expertise, sugerindo que cada um se deve focar naquilo que sabe fazer bem.
A metáfora faz referência ao sapateiro, cuja arte é fazer ou
reparar sapatos, e ao rabecão, um instrumento musical de cordas. A ideia é que
o sapateiro, ao tentar tocar o rabecão sem ter o conhecimento e a habilidade
necessários, sairá da sua zona de competência e provavelmente terá um mau desempenho.
Este provérbio ensina-nos a reconhecermos os nossos limites,
respeitar as nossas apetências e dedicar-nos ao que fazemos com excelência. É
também uma reflexão sobre a humildade que devemos ter ao lidar com áreas que desconhecemos,
ou não temos a experiência suficiente para nos aventurarmos a expor-nos perante
públicos exigentes.
Este contexto conduz-nos a alguém que tem sido muito
criticado nos últimos dias pela sua atuação duvidosa como jornalista. Refiro-me
a José Rodrigues dos Santos.
Nascido a 1 de abril de 1964, na cidade da Beira,
Moçambique, quando o país ainda era uma província ultramarina portuguesa, iniciou
a sua carreira no jornalismo aos 17 anos, trabalhando para a Rádio Macau. Mais
tarde, formou-se em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa e teve
uma passagem marcante pela BBC em Londres, onde aprimorou as suas competências
como jornalista. Ganhou grande notoriedade com o anúncio em direto do rebentar
da Guerra do Golfo, em 1990, e pelas suas reportagens de guerra, cobrindo
conflitos em locais como Angola, Timor-Leste, Iraque e Líbia.
Além do jornalismo, José Rodrigues dos Santos é um escritor
prolífico, tendo iniciado esta atividade em 2002 com o romance “A Ilha das
Trevas”, desenvolvendo obras que combinam ficção e temas históricos ou
científicos. Entre os seus livros mais conhecidos estão "O Codex 632"
e "A Fórmula de Deus", que exploram mistérios históricos e
científicos com uma narrativa envolvente. Ao longo da sua carreira recebeu
diversos prémios, tanto no jornalismo quanto na literatura, sendo considerado
um dos escritores mais populares de Portugal.
Embora não seja consensual a sua qualidade literária,
reconheço-lhe o mérito de ter um estilo que prende a atenção do leitor,
ficcionando a história e a ciência sem alterar a sua essência ou relevância.
Confesso que tenho na minha estante muitos dos seus livros, embora não conheça
as suas últimas obras.
Talvez esta sua incursão bem-sucedida no campo literário o
tenha afastado daquilo que ele sabia fazer bem. E utilizo o tempo verbal no
passado deliberadamente, dado que me parece estar a perder qualidades. Ou
talvez não. Poderá estar a tentar entrar num novo domínio de atividade, o que
nada tem de ilegítimo, desde que seja assumido.
Penso que talvez inspirado pelos mais novos, como Sebastião
Bugalho, queira abraçar uma carreira política, porventura com o sonho de deter
mais poder, mas certamente garantir menor discernimento. E o caminho parece assim
se desenhar, imitando o Primeiro-Ministro em atividade, também demissionário, e
candidato ao mesmo cargo nas próximas eleições, ocultando o seu verdadeiro
propósito quando entrevista alguns líderes políticos de quadrantes que não se
identificam com o seu tom de pele.
É evidente que se esqueceu, na recente entrevista a Paulo
Raimundo inserida no telejornal da RTP1, do seu papel de jornalista, que é
informar e esclarecer o público a que se dirige. Manipulando o tempo estabelecido
para essa interação, encurralou o seu interlocutor fixando-se numa única
questão, sem capacidade ou vontade sequer de a reformular. Para bem da
comunidade em geral, não teve a mesma sorte quando tentou repetir a proeza com
a Mariana Mortágua, que tinha feito os trabalhos de casa, e não lhe permitiu a
reedição da façanha.
Imaginemos agora que o Cristiano Ronaldo queria ser como o Lewis
Hamilton, ou o Novak Djokovic. Será que apesar de toda a sua preparação física
e da sua competência no futebol, alguma vez iria conseguir níveis aceitáveis de
desempenho na Fórmula 1 ou no ténis?
Pelo facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter sido um razoável
político, um bom comentador televisivo, e um Presidente da República com um
primeiro mandato de bom nível, não quer dizer que outros consigam a mesma
performance. Talvez mesmo o melhor seria que o Sebastião Bugalho se continuasse
a dedicar ao comentário político, Luís Montenegro à advocacia, e José Rodrigues
dos Santos, à escrita e ao jornalismo, mas do bom, como ele em tempos soube fazer!
"Faz bem aquilo
que fazes, e nunca serás esquecido."
Ralph Waldo Emerson
(ensaísta, poeta, filósofo e conferencista americano)
Uma análise crítica serena e lúcida duma situação que me indignou por estar ligado ao jornalismo e pela minha opção político-partidária. Inteiramente de acordo, embora não partilhe todas as apreciações das qualidades do jornalista e do escritor. Mas felicito-o pela contenção num assunto que desperta paixões.
ResponderEliminarAgradeço o seu comentário, e as suas palavras lisonjeiras. Deixe que também o felicite pela transparência das suas convicções. A maior parte dos comentários que recebo neste meu blogue são anónimos. Desde os meus tempos de estudante que tenho dificuldade em lidar com o anonimato e a incapacidade, ou falta de coragem, que as pessoas têm em assumir as suas ideias e os seus atos. Mas é neste mundo que vivemos...
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